O sal das marés, as travessias atlânticas e pontes sentimentais entre Portugal e Brasil dão o sabor do novo disco da cantora e compositora Luciana Araújo. Luso-brasileira, vivendo em Lisboa, a artista divulga esta semana “Cumbuco”, primeiro single do disco “Saudade” (2019, Tratore), lançado no último mês.
Luciana é um dos novos nomes da Música Popular Brasileira (MPB) e chega ao segundo álbum de sua carreira, com arranjos e direção musical de Eduardo Holanda. Após a estreia com o disco “Essências” (2013, Tratore) – que era carregado de brasilidade, mas com uma pegada pop – a cantora assume uma certa melancolia e amorosidade das músicas portuguesa e brasileira, modeladas com o balanço, a mistura de referência e a leveza, que é marca de seu trabalho.
Escolhida como single de apresentação do novo disco, “Cumbuco” (Luciana Araújo / Eduardo Holanda) concentra a essência conceitual do álbum. A praia, que fica a cerca de 30 km de Fortaleza e foi o cenário de inspiração para a música, tem sido um retiro espiritual, musical e poético da cantora. “O ano de 2012 não foi um ano tão legal. Eu estava em Fortaleza e, nessa época, ia muito ao Cumbuco. Chegava lá, vendo aquelas velas das jangadas, o kitesurf, aquelas ondas, me sentia muito bem… É um lugar que me atrai, uma coisa mágica, fora de qualquer explicação. E naquele lugar, de pé na areia, eu percebi que estava muito feliz e que a felicidade está nas coisas mais simples da vida”, lembra Luciana.
A canção traz o som do mar do Cumbuco atravessado pela guitarra portuguesa de Luís Guerreiro. O músico lusitano é um dos expoentes no instrumento, bastante ligado ao fado, tendo gravado e acompanhado cantoras como Mariza e Carminho. Da Alfama ao litoral cearense, a guitarra encontra a sanfona de Nonato Lima, contando ainda com Eduardo Holanda (violão), Thiago Almeida (teclado), Miquéias do Santos (baixo), Hoto Jr. (percussão) e Adriano Azevedo (bateria).
Saudade
Nascida em Fortaleza, Luciana Araújo mudou-se em 2005 para São Paulo. Nos anos seguintes, viveu entre a capital paulista e Lisboa, até se estabelecer de vez, há três anos, na cidade lusitana pela segunda vez. “Sentir saudade do Ceará é natural para mim, já que eu sou de lá. Porém, hoje, quando estou no Brasil, eu também sinto saudade de Portugal”, destaca, sobre o sentimento. Para além de marca da língua portuguesa, que nos une, sentir saudade é uma espécie de fardo e amuleto ao qual se apega quem migra entre estas margens oceânicas e que tem sido largamente cantado pela música de ambos os países.
O disco “Saudade” foi gravado entre 2016 e 2018, nos estúdios Trilha, em Fortaleza, e Pimenta Preta e Atlântico Blue, em Lisboa. Reúne dez faixas, sendo oito autorais e duas releituras. Duas canções emblemáticas, uma lusa, “Jura” (Rui Veloso / Carlos Tê), outra brasileira, “Mucuripe” (Fagner / Belchior). Unir os dois universos musicais foi a ideia que levou ainda a convidar instrumentistas como o sanfoneiro Nonato Lima e os guitarristas de fado Luís Guerreiro e Bernardo Couto.
De acordo com a artista, a escolha do produtor e dos músicos cearenses foram fundamentais para dar veracidade do projeto. “Eu escolhi gravar com músicos
da minha terra para que o projeto tivesse realmente as influências verdadeiras que eu buscava para este disco. O Ceará presente por meio do talento de meus amigos músicos nos arranjos das minhas canções”, reforça Luciana.
O disco abre com o sambinha “Saudade” (Luciana Araújo / João Marinho / Eduardo Holanda), uma ode ao litoral, essa fronteira impregnada de maresia e que, além da beleza, deixa exposta essa inevitável distância entre os dois lados do Atlântico. “Cumbuco” segue na zona litorânea, mas envereda pela melancolia e por um certo sabor de tranquilidade e esperança vivenciados pela artista na praia cearense.
“Jabuticabeira” (Luciana Araújo), terceira faixa do álbum, foi inspirada no romance “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado. É uma miscelânea de ritmos e referências à musicalidade nordestina, com samba de roda, do maracatu, do forró, e às cenas de quotidiano que a partir daí pode-se imaginar. “Mucuripe”, parte do repertório do espetáculo anterior da cantora, ganha releitura com destaque ao dueto entre Bernardo Couto, na guitarra portuguesa, e Nonato Lima, na sanfona.
O disco traz ainda temas de amor, ora ligeiro, como o samba “Simples Assim” (Luciana Araújo / Eduardo Holanda), com a guitarra portuguesa fazendo vias de bandolim; e a balada “Cupidos” (Luciana Araújo / Kal Robson); ora graves, como a bossa “Diga” (Luciana Araújo), que vem ao encontro da versão de “Jura”, de Rui Veloso e Carlos Tê.
“Sarau do Chico” (Luciana Araújo / Eduardo Holanda) é a festa daquele que à casa torna. Transforma em batucada a lembrança dos encontros familiares em Fortaleza, regados a música e afetos. O disco encerra com a música que Luciana considera a canção mais especial desta nova safra: Pontinho. Após um longo percurso na tentativa de ser mãe, em 2017 viu pela primeira uma imagem da filha, Gabriela, na época um pontinho, na tela de ecografia. A letra, escrita no dia do exame, foi musicada em parceria com a cantora, instrumentista e compositora, Rebeca Câmara. Gabriela nasceu em dezembro de 2017. E o pontinho, as saudades e os amores de Luciana Araújo, chegam agora ao mundo em forma de canção.