Marcos Gouvêa de Souza
Fundador e diretor-geral do Grupo GS& Gouvêa de Souza, membro do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, do IFB – Instituto Foodservice Brasil, Presidente do LIDE Comércio e membro do Ebeltoft Group, aliança global de consultorias especializadas em varejo em mais de 25 países.
Globalmente estima-se que as marcas próprias, na média dos diversos segmentos, representem perto de 15% do mercado.
Mas esse número tem crescido de forma consistente, mais do que as chamadas marcas nacionais, ou seja, as marcas detidas pela indústria de bens de consumo. O setor mais básico de mensuração é o que envolve o de alimentos, mas a estratégia de marcas próprias tem avançado de forma irreversível para outros setores do varejo.
As marcas próprias são dominantes no setor de vestuário massificado para quem é relevante e global. Vide todas as operações da espanhola Inditex, lideradas por Zara, e mais H&M, Primark, Forever 21, Gap e outras tantas mais.
Avançam no setor de farmácias e drogarias, material de construção, calçados, papelaria, conveniência e outros mais.
No setor de supermercados no Brasil, as marcas próprias representam em torno de 6 a 7% das vendas e têm crescido mais do que as marcas nacionais em vendas. Todos os principais operadores têm projetos ambiciosos para aumento de sua participação, mas o maior crescimento tem ocorrido no setor de farmácias e drogarias.
Na moda, Renner, Riachuelo, C&A e Marisa reinventaram seus negócios, deixando de ser revendedores de marcas de terceiros para pesquisar, desenvolver, produzir e vender produtos com suas marcas próprias, segmentadas segundo os diferentes focos de atuação.
Para entender o porquê essa estratégia continuará a crescer de forma mais marcante, listamos os oito pontos pelos quais a participação deverá ser ainda maior nos próximos anos.
- Varejo de Valor tem cada vez maior participação –No processo de polarização que vive o varejo do mundo, o varejo de valor, aquele cuja estratégia básica busca oferecer mais por menos para os consumidores, é o que tem obtido maior crescimento, por conta da maior racionalidade no processo de compra. Essa racionalidade é precipitada pelo maior nível de informação e possibilidades de comparação de preços, condições versusbenefícios, especialmente pelo uso das ferramentas digitais, potencializando o lado racional da compra.
Os formatos de hard e soft discount nos alimentos e os clubes de atacado são aqueles com maior crescimento no mundo. E em sua estratégia básica de atuação, as marcas próprias desempenham papel fundamental, pois tornam possível serem cada vez mais competitivos em preços. Os melhores exemplos envolvem redes como Aldi, Lidl, Costco, Trader Joe’s e outras mais que apoiam sua estratégia de preços baixos na elevada participação de marcas próprias;
- Novos segmentos percebem a importância da marca própria –Inspirados pelo setor de vestuário e moda do mundo, que apoia toda sua estratégia de diferenciação competitiva na operação quase exclusiva com marcas próprias, outros segmentos de negócios têm incorporado essa alternativa para diferenciar, fidelizar e viabilizar se tornarem mais competitivos. Assim as drugstores nos Estados Unidos, como Walgreens e outras, assim como no Brasil as principais do setor, têm buscado ampliar a oferta de produtos com marcas próprias. Assim como no próprio segmento de material de construção, papelarias, conveniência e outros mais;
- O avanço do digital favorece as marcas próprias – Ao permitir comparação direta de produtos, marcas, preços e condições pelo uso dos sistemas digitais, o consumidor tende a ser ainda mais racional em seu processo de compra, pois tem mais tempo e condições de avaliar alternativas, considerar resenhas e experiências de outros consumidores e com isso todo seu comportamento torna-se mais pautado pelos elementos racionais favorecendo a opção por marcas próprias que podem, usualmente, oferecer a melhor relação custo-benefício;
- O poder da informação a serviço das marcas próprias –Quem detém a relação direta e sem intermediários com os consumidores tem a melhor, mais completa e mais atualizada informação sobre preferências manifestas e emergentes dos consumidores. E o uso de Inteligência Artificial e outros instrumentos para cruzamento dessas informações e predição de comportamento futuro da demanda e do mercado, colocam um poder estratégico cada vez maior no varejo, que se estrutura para fazer uso desse diferencial.
Ao invés de compartilhar essas informações com seus fornecedores, os varejistas preferem investir nessa vantagem competitiva para atuar na cadeia de valor pesquisando, desenvolvendo e produzindo através de terceiros para poder oferecer o produto certo, na hora certa e ao melhor preço. Como fator de equilíbrio estratégico, a indústria fornecedora passa a atuar na distribuição direta e no varejo para obter o mesmo nível e atualidade de informação;
- A globalização da oferta favorece o crescimento das marcas próprias –A expansão do processo de globalização da produção, com concentração em regiões com maior potencial e vocação para determinados itens e segmentos, acaba por favorecer as marcas próprias, pois podem ser obtidos produtos cada vez melhores e com preços mais competitivos, mas sem marcas nacionais ou globais que sejam desejadas ou possuam um diferencial. Isso é particularmente importante nos segmentos de moda, calçados e vestuário que podem se abastecer nos mercados asiáticos em determinadas categorias com preços muito mais competitivos do que a produção local na Europa, Estados Unidos ou América Latina;
- Aumenta a oferta de fornecedores para atender a crescente demanda –Não só em número, mas também em especialização e condições de atuação, existe um aumento cada vez mais significativo de empresas dedicadas à produção de marcas próprias em todos os segmentos, atendendo à crescente demanda dos varejistas, incluindo a formação de conglomerados de negócios dedicados à pesquisa, desenvolvimento, produção e até mesmo gestão de marcas próprias para terceiros, com atuação global e regional;
- A crescente pressão sobre a rentabilidade –O aumento da oferta de produtos, marcas, formatos, canais e conceitos cria cada vez mais alternativas e opções para os consumidores globais e isso tudo pressiona a rentabilidade na ponta do varejo, levando esse setor a buscar elementos que possam equilibrar essa situação. As marcas próprias tornam-se alternativas quase naturais em busca de opções para equilibrar o aumento das vendas e a pressão competitiva, razão pela qual muitas empresas do setor têm buscado incorporar essa competência estratégica, própria ou em composições empresariais, em busca de melhor rentabilidade;
- Demanda por soluções favorece marcas próprias –O consumidor atual e futuro demanda cada vez mais soluções e a virtuosa combinação de produtos integrados com serviços. Pode ser na pintura da casa ou no foodservice. A pressão pelo tempo e a demanda por conveniência favorecem modelos de negócios que podem oferecer uma solução completa para os consumidores, reduzindo neste caso a importância das marcas dos produtos oferecidos e favorecendo as marcas próprias. Esse avanço para o aumento da oferta de soluções integradas será cada vez mais uma característica dos mercados futuros e ensejará o maior crescimento das marcas próprias no varejo.
O resultado da combinação desses oito fatores permite antever que as marcas próprias tenderão a representar cada vez mais no varejo global, sendo que seu maior crescimento ocorrerá nos mercados emergentes, já que é uma característica das economias mais maduras essa maior participação.
No caso específico do Brasil será marcante nos próximos anos essa evolução mais acelerada pela combinação do aumento da oferta e da própria demanda.
(*) Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral do Grupo GS& Gouvêa de Souza, membro do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, do IFB – Instituto Foodservice Brasil, Presidente do LIDE Comércio e membro do Ebeltoft Group, aliança global de consultorias especializadas em varejo em mais de 25 países.