Para a Abrasel, a conquista histórica deve vir acompanhada de cautela na regulamentação de alguns dispositivos da lei, como o da portabilidade, para não causar distorções, onerando trabalhadores e restaurantes
O presidente Jair Bolsonaro sancionou nesta segunda-feira (5), com vetos, a lei 14.442, com origem na medida provisória 1.108 enviada ao Congresso. O texto altera regras no mercado de benefícios, incluindo o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) e os vales refeição e alimentação. Entre os avanços da lei está a proibição do chamado rebate, desconto oferecido pelas operadoras de benefícios a grandes empresas, o que na prática leva ao aumento nas taxas cobradas dos bares e restaurantes. Além disso, foi vetado o artigo proposto no Congresso com a possibilidade de saque do benefício pelo trabalhador após 60 dias sem uso dos créditos.
“Ficamos muito felizes com os resultados mais importantes da medida. Nós acabamos com rebate, aquele custo onde, por exemplo, vendia-se um voucher de R$100 por R$95, para o RH de uma empresa, e aquilo virava custo para o nosso setor. Era um problema gravíssimo, histórico, só existia no Brasil e a nova lei acaba com isso”, diz Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel.
Outro ponto importante, na visão da entidade, é que a lei vai garantir o equilíbrio entre as regras do vale-refeição no PAT – aquelas que já existiam desde 1976 e permitiam, inclusive, o abatimento no imposto de renda das grandes empresas – com as regras do vale-alimentação, que foi criado na reforma trabalhista de 2017. Agora há isonomia entre as regras e ambos não podem praticar rebate nem conceder benefícios que possam virar custos para as empresas.
O veto mais importante imposto por Bolsonaro também impede uma distorção no propósito dos programas, ao travar a possibilidade do saque em dinheiro. Segundo Solmucci, “essa prática fugia do espírito da lei, que é ajudar na alimentação, e criava, ainda, um salário in natura, o que é proibido, pois teriam de incidir encargos sociais sobre o valor. Além disso, evita o crescimento do mercado da agiotagem dos vales refeição e alimentação, em que aqueles trabalhadores ‘apertados’ financeiramente vendem o vale para os agiotas com descontos de 20% a 30%”.
Também ficou garantido na lei o uso do vale exclusivamente para os gastos com alimentação, proibindo o emprego do recurso para pagamento de academia, streamings e outros, como vinha sendo feito por algumas empresas entrantes nesse mercado. Agora há multas que variam entre R$5 mil e R$50 mil, o que dará maior poder ao governo para fiscalizar e punir aqueles que promoverem desvio de finalidade.
A importância da regulamentação
Duas medidas previstas na nova lei passam a valer em maio de 2023, mas ainda têm de passar por regulamentação: a interoperabilidade, que obriga o compartilhamento das redes de pagamento pelas empresas de benefícios, e o da portabilidade, que traz a possibilidade de migração do trabalhador de uma operadora de benefícios para outra.
No caso desta última, na visão da Abrasel, pode haver aumento de custos para o trabalhador: “Estamos muito preocupados com a questão da portabilidade porque, na nossa opinião, ela ilude a sociedade e o trabalhador de que é algo bom, onde você pode optar por sair de uma empresa de vale A para uma empresa de vale B com benefícios, normalmente o cashback, mecanismo que permite o acréscimo de crédito para o usuário”, diz Paulo Solmucci. Ele explica a engrenagem por trás da portabilidade: “por exemplo, o trabalhador tem um benefício de R$100 e recebe R$105, com 5% a mais, para trocar de empresa. Isso, no fundo, acaba virando custo para o nosso setor, que certamente vai parar no cardápio, cujos preços aumentam. O consumidor, então, não ganha com isso, tampouco os bares e restaurantes. Na verdade, ganha somente aquela empresa que ‘atraiu’ esse trabalhador”.
A mudança ainda será regulamentada. Por enquanto, não há um sistema para controlar essa portabilidade. Fica sob a responsabilidade do Banco Central construir a Câmara de compensação. “É um processo que vamos acompanhar de perto para ver se a regulação sairá da maneira adequada”, completa Solmucci.