As mulheres arquitetas são maioria no Ceará. Elas representam quase 65% dos arquitetos registrados no estado. A representatividade delas é tão importante que no dia 31 de julho é celebrado o Dia Nacional da Mulher Arquiteta e Urbanista, uma data definida há pouco tempo, em 2020, para homenagear a importância e a forte presença feminina na profissão. No entanto, o cenário nem sempre foi de destaque e de respeito às mulheres arquitetas.
Olhares atravessados, poucos ouvidos, baixas expectativas são apenas algumas das situações difíceis que a arquiteta Sarah Bastos enfrentou e que ainda enfrenta em sua trajetória profissional por ser mulher. Ela afirma que nunca sofreu machismo de forma direta, mas sempre de forma sutil.
“Eu sentia, por ser mulher e jovem, um pouco desacreditada, por mais que eu fizesse um bom projeto. Sofria quando um arquiteto me chamava de “minha filha” de uma forma mais pejorativa, por exemplo. Por mais que fossem falas e ações inconscientes, o machismo era sentido e surgia através de um olhar atravessado, ou desconfiança ao meu posicionamento. Eu buscava me esforçar muito mais para poder ter credibilidade nas minhas ações”, explica Sarah.
Como coordenadora do núcleo de fiscalização do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU), Sarah conta que também sofre preconceitos no exercício de sua função. “O meu trabalho no Conselho é fiscalizando obras. Infelizmente, os canteiros ainda são ambientes muito machistas e preciso buscar me preservar ao máximo para não sofrer represálias e conseguir coletar as informações que necessito para executar meu trabalho”. No Conselho, Sarah comemora que apesar da presidência ser masculina, a gestão é feita, majoritariamente, por mulheres. “Elas têm um olhar mais humanizado e compreendem melhor as dificuldades”, conta.
O presidente do CAU/CE, Lucas Rozzoline, afirma a importância delas na composição do Conselho. “Elas merecem todo o destaque . Eu sou um grande torcedor do crescimento delas e incentivo sempre o engajamento e a participação delas nas lideranças, principalmente. Inclusive, um dia ainda quero ver uma mulher ser presidente do CAU/CE. Torço muito por isso”, comenta o presidente.
Conciliação
O atual desafio de Sarah é o de conseguir conciliar seu trabalho no CAU/CE com a atividade de professora universitária e a maternidade. Sarah é mãe do Raul, de três aninhos. “A maternidade tem seus aspectos maravilhosos, mas as mães são sobrecarregadas diante do mundo patriarcal. Para mim tem sido difícil pois gostaria de estudar e me aprimorar mais, mas hoje a minha prioridade é meu filho. Por isso, nem sempre consigo estar disponível para as oportunidades profissionais. Imagino que se eu fosse um homem eu não estaria com tantos dilemas entre priorizar a carreira e o filho”, destaca.
Inspiração
Mesmo com poucas referências de mulheres arquitetas na infância e na adolescência, Sarah Bastos diz que desde criança sempre se interessou por arquitetura. “O meu maior incentivo foi o meu interesse pela arte. Eu não tive referência de arquitetas mulheres, pois o papel delas era muito invisibilizado. Eu tinha uma leve noção de quem era Lina Bo Bardi, mas os arquitetos que eu conhecia de nome eram Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Sérgio Bernardes, todos homens”, pontua.
Já na graduação, Sarah destaca a influência de suas professoras, Zilda Santiago e Nicia Bormann. Elas foram tão importantes em sua vida que a arquiteta concluiu mestrado e é professora da Universidade de Fortaleza (Unifor). Como docente, ela busca inspirar seus alunos e dar visibilidade à luta das mulheres arquitetas. “Digo à eles que existe muito espaço em nossa profissão. Desejo que mantenham-se resilientes, integrem-se às entidades de classe da profissão e recomendo que conheçam o coletivo ‘Arquitetas Invisíveis’, buscando conhecer e se inspirar no trabalho de arquitetas e urbanistas pelo mundo”, finaliza.