[Foto: Levy Mota]
Bonito pra Chover
Três bailarinos, um fotógrafo e um videomaker refizeram o percurso da linha férrea que passava pelos campos de concentração do Ceará, onde milhares de pessoas foram encarceradas, em péssimas condições sanitárias, ou mortas durante as secas de 1915 e 1932.
Partindo de Fortaleza, os artistas inverteram o percurso dos “flagelados” e foram aos municípios que abrigaram os campos de concentração (Crato, Cariús, Senador Pompeu e Quixeramobim). As viagens, o encontro e as conversas com o povo dessas cidades, as visitas aos sítios históricos onde foram instalados os “currais do governo”, a participação em eventos religiosos em memória dos que morreram naqueles locais, renderam material artístico e documental para a realização da exposição.
A exposição intitulada “Bonito pra Chover” integra o conjunto de obras do Encontro Internacional sobre a Cidade, o Corpo e o Som, que acontece entre os dias 15 a 20 de março em Lisboa. O evento é organizado pelo TEPe (Technologically Expanded Performance) em parceria com a Universidade Federal do Ceará e a Universidade de Lisboa.
“Bonito pra chover” conta com imagens produzidas pelos fotógrafos Allan Diniz e Levy Mota, a partir da viagem realizada em 2019 com os bailarinos Fabiano Veríssimo, Márcio Medeiros e Paulo José. Além de fotografias disponíveis em monóculos e em lambe-lambe nas ruas da capital lusitana, compõe a exposição registros documentais com entrevistas e um curta-metragem premiado pela produtora “El ojo del Babel” e pelo Festival VideodanzaBa (Argentina).
A obra artística remonta memórias populares das chuvas e das secas no sertão do Ceará (Brasil) e levanta questões políticas e ambientais sobre a água e sua gestão, sobre movimentos migratórios em massa, religiosidade, crises climáticas e políticas genocidas.
[Foto: Allan Diniz]
Sobre os Campos de Concentração (1915 e 1932)
Crato, Cariús, Senador Pompeu e Quixeramobim são cidades-chave do interior cearense que se conectavam à capital litorânea Fortaleza através da linha férrea que, à época, funcionava para o transporte de passageiros. Por este motivo, nos períodos das secas históricas, dezenas de milhares de sertanejos de diversas partes do estado lotavam as estações de trem na esperança de chegar à capital, conseguir emprego e salvar-se da morte decretada pela seca que parecia não ter fim. No entanto, estas populações sertanejas não se enquadravam, na visão estatal, ao desejo de futuro à moda parisiense “belle epoque” que se tinha para Fortaleza.
Para evitar que esses milhares de pretos, pardos, indígenas – em corpos magros, vestindo farrapos, calçando sandálias, quando muito – chegassem à capital, o Estado instalou naquelas cidades-chave e na periferia de Fortaleza enormes estruturas de cercamento. Estes lugares, chamados pelos jornais de “campos de concentração” e pela população de “currais grandes” ou “currais do governo”, não tinham a mínima estrutura que garantisse a saúde e a dignidade das pessoas ali encarceradas. O povo era interceptado nos trens e nas estações e levado aos campos sob a promessa de receber alimento e ter um teto sobre suas cabeças. Tomando apenas os dados relativos à seca de 1932, mais de 70.000 pessoas foram aprisionadas nestes locais, incluindo milhares de crianças.
Sobre o TEPE
O projeto acontece em duas metrópoles: Lisboa em Portugal, e Fortaleza no Brasil. TEPe explora os cruzamentos bidireccionais entre arte e tecno-ciência, a partir do conceito agregador de performance, sobre dois vectores principais: investigação de sonoridades, e pesquisa e criação de micro-paisagens. Estes dois vectores cruzam-se a duas escalas – a do corpo e a da cidade – potenciadas através da investigação artística e tecnológica. A investigação visa estudar os modo como os corpos em movimento se inscrevem nos percursos urbanos.
Serviço
Exposição “Bonito pra Chover”
Encontro Internacional sobre a Cidade, o Corpo e o Som
Lisboa, 15 a 20 de março de 2022
Mais informações: https://tepe.estudiosdedanca.