Produtores, pesquisadores e lideranças do agronegócio do Nordeste se reúnem a partir da manhã desta quinta-feira (13/06) até sábado (15/06), para alavancar a adoção de sistemas integrados de produção na região. Eles participam do “Seminário Nordeste – Inovações na Integração Lavoura-Pecuária-Floresta”, que acontece no Centro de Eventos do Ceará. São cerca de 200 participantes de todo o Brasil. O seminário é promovido pela Embrapa e a Associação Rede ILPF (Rede ILPF), em parceria com a Federação da Agropecuária do Estado do Ceará (FAEC) e o XXIII PecNordeste, que também se realiza no mesmo período, em Fortaleza (CE). O principal objetivo do evento é discutir inovações desenvolvidas pela Embrapa e parceiros para os sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).
A implantação de uma agenda forte para disseminação de sistemas integrados no Nordeste é projeto antigo do Conselho Gestor da Associação Rede ILPF e agora apoiado pelo presidente da Embrapa, Sebastião Barbosa. O presidente da Rede ILPF, pesquisador da Embrapa Renato Rodrigues, diz que “o Nordeste é a região brasileira que vai sofrer os maiores impactos com a mudança do clima. Já é nítido que temos um processo de desertificação em andamento. A ILPF é a principal tecnologia de adaptação que existe. Ela é a forma que temos para aumentar desde agora a produção agropecuária no Nordeste.”
O chefe de gabinete da Embrapa, pesquisador Raimundo Braga, diz que a ILPF é uma estratégia de produção que integra diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área. Pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades. “O objetivo é aperfeiçoar o uso da terra, elevando os patamares de produtividade, diversificando a produção e gerando produtos de qualidade.” Em algumas regiões é possível obter até três safras com a estratégia. “Além disso, evita a degradação do solo, ainda tão comum, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. Ou seja, não apenas melhora a renda do produtor como garante a conservação ambiental. Torna sustentável o sistema de exploração múltipla e a preservação do meio ambiente e a melhoria da renda do produtor”, explica.
Raimundo Braga diz que os sistemas integrados são particularmente relevantes para o Nordeste. “Trata-se de uma estratégia de fortalecimento do sistema de exploração agrícola em uma região onde os solos estão muito desgastados. A ILPF permite a recuperação dos solos, inclusive reduzindo o uso de maquinário”.
Satisfação chega a 78%
Pesquisa da Rede ILPF realizada pelo Kleffmann Group mostra que o Brasil contava na safra 2015/16 com 11,5 milhões de hectares com sistemas integrados de produção agropecuária. O diretor-executivo da Rede ILPF, William Marchió, diz que o desafio é envolver empresas privadas e governo para um programa de ação forte na região Nordeste.
A intenção dos organizadores é aumentar a participação do Nordeste, que conta com 1,3 milhões de hectares implantados, principalmente na Bahia, com 545.778 hectares, seguidos pelos estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco, com pouco mais de 200 mil hectares cada. “Pelo perfil empreendedor nordestino, pelas oportunidades que a tecnologia oferece e com apoio dos governos federal e estaduais e do setor privado, acredito que teremos um grande aumento de área nos próximos anos”, diz Renato Rodrigues.
A pesquisa mostrou que dos 493 produtores rurais entrevistados (com bovinocultura como atividade predominante), 60% dos 493 produtores rurais entrevistados conhecem o conceito de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. Dos produtores que adotam o sistema, 78% dizem estar satisfeitos ou muito satisfeitos. Os maiores índices de aprovação estão no Rio Grande do Norte (89%), Bahia (87%) e Ceará (85%). Entre os que já adotam este tipo de sistema ou pretendem adotar no futuro, as motivações apontadas com maior frequência pela pesquisa são: promover a recuperação de pastagens, reduzir o impacto ambiental e fazer rotação de culturas agrícolas.
Há alternativas de tecnologias
O pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, João Pratagil de Araújo, é coordenador do seminário e nesta sexta-feira conduz o workshop sobre desafios da inovação para a implementação e desenvolvimento do ILPF no Nordeste. Ele explica que o evento tem enorme importância para a região e destaca o potencial de transferência das tecnologias. Também chama a atenção para o engajamento das instituições participantes como a Confederação Nacional da Agricultura, Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, Instituto Nacional do Semiárido, Banco do Nordeste e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Todas estão incentivando a expansão da área de integração na região. Para ele, um dos desafios é transformar a ILPF em política pública prioritária para a região.
Rafael Dantas é pesquisador da Embrapa Semiárido, em Petrolina e falou na mesa redonda de abertura sobre os desafios, conquistas e oportunidades para o desenvolvimento sustentável com a ILPF. Ele acredita que se trata de “uma oportunidade para mostrar o que a tecnologia tem a oferecer para essa região, com arranjos e concepções direcionadas para a realidade regional.” Diz ainda que a região Nordeste está “aberta para a utilização de recursos que possibilitem o aumento da eficiência produtiva.” Para ele, entre os resultados mais esperados está a conscientização da necessidade de mudança da estratégia de produção para a região.
O analista José Geraldo Di Stefano, da Embrapa Algodão, destaca ainda que a ILPF “ao evitar a degradação do solo, favorece também as cidades, o ambiente urbano. O ILPF articula cadeias produtivas, as cidades e o campo ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento regional e local.”
O presidente da Embrapa, Sebastião Barbosa, ao propor a realização do seminário no Nordeste destacou que o objetivo é “abrir possibilidades para mudar a realidade do produtor do Semiárido nordestino, por meio da adoção dos sistemas de Integração Lavoura-Pecuária- Floresta (ILPF), e transformar a região em prioridade estratégica de desenvolvimento agropecuário. O primeiro passo é a realização de um grande seminário com a participação de agricultores, extensionistas, autoridades e representantes dos governos estaduais e federal”. Para Pratagil, o objetivo começa a se concretizar.
Oportunidade para o Nordeste
Entre as oportunidades para a ILPF no Nordeste, Pratagil destaca a possibilidade de integração da lavoura (pastagens, culturas medicinais, oleaginosas – óleos essenciais, alimentares – milho, feijão) e pecuária (bovinos, suínos, caprinos e ovinos) e florestas (espécies frutíferas – caju, coco, umbu-cajazeira); espécies madeireiras – eucalipto, mogno, nim; e espécies forrageiras – nativas– algarobeira, sabiá, e exóticas – leucena, entre outras.
“Além disso, o desenvolvimento poderá ser feito nas áreas de solos e pastagens degradadas, bem como onde a pecuária tem potencial de desenvolvimento”, explica. Também cita a priorização da região pela ministra Tereza Cristina, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, “para o desenvolvimento da agropecuária e de uma classe média rural, com base na priorização de oito polos de desenvolvimento, um em cada estado do Nordeste, proposto pela Embrapa Territorial”. Pratagil propõe ainda que a tecnologia ILPF sustentável deve ser uma prioridade política para o Nordeste, com a constituição de Plano Safra Inovação ILPF Nordeste contemplando crédito, seguro agrícola, financiamento de máquinas e equipamentos, defesa zoofitosanitária, assistência técnica e extensão rural.
Renato Rodrigues chama a atenção para o fato de que há muita área disponível na região para adoção da ILPF. “Acredito que possamos chegar a, pelo menos, 10% da terra sob uso agropecuário com essa tecnologia até 2025. Estamos falando de algo perto de cinco milhões de hectares. É possível e trará muitos benefícios para os produtores e consumidores.”
Rafael Dantas concorda e destaca o grande número de alternativas para uso de ILPF na região. “Como o Nordeste é muito diverso e plural em relação aos sistemas de produção agropecuária, a ILPF tem a capacidade de se adequar a essa diversidade, podendo ser quase que individualizado em cada cenário local.”
Ampliar o conhecimento
Os organizadores entendem que a ampliação do ILPF no Nordeste depende do conhecimento, pelos agroempreendedores, das vantagens econômicas e ambientais. Também exige ações de assistência técnica e extensão rural, para capacitá-los na escolha das melhores alternativas econômicas dos componentes do sistema de integração, integrado às demandas do mercado consumidor dos produtos resultantes de seus sistemas integrados de produção.
Entre as vantagens está o fato de que existem tecnologias de ILPF adaptadas, há assistência técnica e extensão rural e produtos ILPF demandados pelos mercados consumidores.
Renato Rodrigues, que, além de presidente do Conselho Gestor da Rede ILPF, é pesquisador da Embrapa Solos, diz que a região “ainda é um pouco tímida, mas de potencial enorme”. E cita fatores decisivos: assistência técnica de qualidade, políticas públicas para adoção da tecnologia, incluindo facilidade de acesso a crédito, investimentos privados e de projetos internacionais.
Captação de projetos internacionais
A expectativa de Renato Rodrigues com os resultados do seminário é alta. “O evento não acaba no sábado. A ideia é que sejam promovidas políticas públicas e investimento privado para tornar essa agenda real”. Ele destaca que o Conselho Gestor da Rede ILPF está tentando ajudar ao influenciar no estabelecimento de políticas públicas e crédito na captação de projetos internacionais para desenvolver a assistência técnica e estimular a adoção da ILPF e na certificação de propriedades rurais, com abertura de mercado.
Um dos destaques, a mesa redonda “Estratégias e políticas para implementação e desenvolvimento de sistemas ILPF no Nordeste”, vai servir de base para identificar possibilidades concretas para o estabelecimento de uma agenda forte no Nordeste.
Para Renato Rodrigues, a ILPF é uma ferramenta de enorme capacidade de desenvolvimento regional: “Queremos fazer um trabalho de políticas públicas e de estímulo ao governo federal para que tenhamos uma ampliação do uso dessa tecnologia no Nordeste. Não vamos chegar com nenhuma receita pronta. Cada região vai precisar se adaptar para que o produtor possa extrair os benefícios que a tecnologia pode oferecer como a adaptação à mudança do clima, o aumento de renda e da qualidade de vida, bem como a possibilidade de fixação do homem no campo a partir da formação de uma mão de obra mais especializada e capacitada”, argumenta.
Opções
Rafael Dantas vai abordar os desafios, conquistas e oportunidades para o desenvolvimento sustentável do ILPF no Semiárido. O pesquisador da Embrapa Semiárido (Petrolina, PE) diz que atualmente menos de 4% das áreas agricultáveis do Nordeste são ocupadas por sistemas integrados de produção e isso faz com que as possibilidades de ampliação sejam gigantescas. No entanto, para que isso aconteça a “ideia ILPF” deve ser plantada e semeada, por meio de socialização da informação a agentes multiplicadores, por meio de educação continuada sobre ILPF. “Além disso, o formato de acesso ao crédito deve ser focado no sistema e não apenas na cultura. Se o governo e a iniciativa privada derem suporte financeiro ao produtor para programar a estratégia ILPF, a implementação de novas áreas crescerá substancialmente, sendo decisivo para a adoção da tecnologia ILPF.”
José Henrique Rangel é pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros (SE) e participou da mesa sobre “Sistemas de Integração ILPF indicados para a região Nordeste”. Ele diz que a região possui características peculiares relacionadas a clima, solos e infraestrutura fundiária que, em alguns casos, são restritivas ao desenvolvimento das atividades agropecuárias. “Nesse cenário, as estratégias de ILPF para a região não podem seguir os modelos empregados em outras regiões do país que têm como principal elemento florestal o eucalipto, o milho e a soja com grãos e as braquiárias como pastagem.”
Ele explica que no Nordeste o principal componente florestal são as leguminosas arbóreas, que têm as funções de alimento proteico, sombra para o gado e fornecimento de nitrogênio ao solo. O componente lavoureiro é representado em grande parte pelo sorgo e o milheto, embora o milho esteja presente em áreas de melhor precipitação. Capim buffel, capim urochloa, palma forrageira e guandú representam o estrato herbáceo forrageiro.
Em áreas onde a caatinga se encontra preservada sistemas de aproveitamento sustentável desse bioma, como o sistema CBL – produção de grandes ou pequenos ruminantes, utilizando a vegetação natural da caatinga (C), no período chuvoso, associada à área de capim-Buffel (B), com piquetes de um leque de opções forrageiras (L), especialmente leguminosas – são os recomendados por José Henrique Daniel.
Rafael Dantas diz que o principal desafio “é a quebra do paradigma que existe na região semiárida, o qual se baseia que o insucesso produtivo dos sistemas agropecuários está única e exclusivamente ligado ao clima”. Para ele, um novo modelo de produção se faz necessário. “Daí surgem inúmeras oportunidades, como o aproveitamento de potencialidades locais, como forrageiras alternativas, arranjos produtivos espaciais e temporais adequados a realidade do semiárido e valorização dos produtos regionais produzidos nesses sistemas.”
Visita técnica
No encerramento do seminário, sábado, 15, acontece visita técnica à fazenda Grangeiro, em Paracuru (CE), a 86 km de Fortaleza. Ali, os participantes conhecerão experiência de integração lavoura-pecuária (ILP) que une a produção de coco à criação de bovinos leiteiros. Renato Rodrigues diz que o seminário é “o início de um esforço de sensibilização. É o começo de um importante processo para o desenvolvimento da região”. A Associação Rede ILPF, que promove o seminário, é uma parceria público-privada formada por Embrapa, Cocamar, Bradesco, John Deere, Ceptis, Premix, Soesp e Syngenta. O objetivo da associação é acelerar adoção das tecnologias de ILPF no país.