Depois de quase sete décadas de sua construção e da resistência a incansáveis investidas do capital imobiliário no bairro Dionísio Torres, a Vila Vicentina da Estância apresenta justificativas para seu tombamento patrimonial pela Prefeitura de Fortaleza. Para dar início ao processo, moradores da Vila, profissionais, pesquisadores e estudantes se uniram, sob orientação do Professor Romeu Duarte, do Núcleo de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), para elaboração de relatório técnico que será entregue na próxima terça-feira (23), na Coordenação do Patrimônio Histórico e Cultural da Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza – CPHC/Secultfor.
Como parte da ocupação histórica da área leste de Fortaleza, a Vila Vicentina surgiu por volta da década de 1940 como abrigo para viúvas, no antigo bairro da Estância, hoje sob o nome de Dionísio Torres, que foi o comprador daquelas terras, cuja principal via é a atual av. Antônio Sales. Sem ter o apuro formal de algumas vilas tradicionais da cidade, a exemplo da Vila São José, no Jacarecanga, a Vicentina destaca-se em seu contexto urbano pelo hiato que sua presença promove na verticalizada vizinhança. Portanto, sua existência física, associada à generosa arborização de suas áreas internas e externas, empresta valor ambiental ao Dionísio Torres.
As 42 pequenas casas conjugadas, com tipologias e áreas diferentes, uma capela e um grande pátio arborizado na sua área central, transformado num amplo quintal comunitário, para onde dão os fundos das residências, formam um importante conjunto de relevância arquitetônica, urbana e ambientla. Uma vila em que o tempo permanece como em sua antiga configuração, contrastando com o movimento da avenida e ruas que a cercam. Um lugar que desperta questões sobre a importância de manter a memória física da história da cidade e o embate com novos modelos de urbanização e socialização dos espaços. Algo que o arquiteto pernambucano Roberto Ghione indaga em reflexo do tombamento, “o sentimento de parte da sociedade em relação a um determinado bem é motivo para ele ser considerado patrimônio?”.
O tombamento da Vila Vicentina, que desde 2009 é incisivamente ameaçada pela especulação imobiliária, além de ser um marco pela direito à cidade e por sua relevância sócio-histórica, é justificado por salvaguardar em sua arquitetura simples e afetiva a resistência à lógica mercadológica das novas moradias da cidade. De acordo com Ghione, “esse fenômeno transforma a sociabilidade perdida em patrimônio, refletida nos tipos arquitetônicos de um tempo condenado a sumir. Um tipo de patrimônio imaterial, que tem sua referência e sua presença física nos edifícios sobreviventes de outro tempo que viram emblemas, independente da valorização arquitetônica nas convenções acadêmicas”. O processo de tombamento, por outro lado, expõe a fragilidade e a inocuidade dos planos diretores municipais e das leis de uso e ocupação do solo urbano, comprometidos apenas com a produção de indicadores urbanísticos adequados à especulação imobiliária.
Entretanto, o esforço coletivo pela elaboração da instrução do tombamento da Vila Vicentina, como patrimônio municipal, fundamenta-se nos artigos 9º e 10 do Capítulo III da Lei Municipal Nº 9.347, de 11/03/2008, cuja pertinência será analisada pela Coordenação do Patrimônio Histórico e Cultural da Secultfor. A proteção da Vila, uma vez entendida conforme e aprovada pelo Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural – COMPHIC, não só garantirá a permanência do antigo conjunto residencial como o distinguirá como eminente monumento do Município de Fortaleza.
Serviço:
Entrega de instrução de tombamento da Vila Vicentina da Estância à Secultfor – Terça-feira (23/05) às 16 h na Secultfor (Rua Pereira Filgueiras, 4, Centro)
- postado por Oswaldo Scaliotti